domingo, 23 de março de 2008

A viagem

Natalie parecia envelhecer 20 anos em 10. Era do tipo perfeccionista e rabugenta. De tão perfeccionista, chegou aos 18 sem nunca ter namorado a não ser um breve beijo frustrado na adolescência. Nunca foi uma pessoa típica à idade que tinha. Na adolescência era a aluna exemplar da classe a qual tomava todas as responsabilidades para si, aquela que em um grupo queria que todos trabalhassem mas à sua maneira. Agora já adulta, permanecia a mesma. Não era adepta de baladas e curtições. Seus programas sempre foram aqueles que de preferência pudessem ser feitos em casa: sessão de filmes, churrascos, jantares em familia, etc.
Dedicava-se quase que exclusivamente aos estudos, pois almejava consolidar-se profissionalmente o mais breve possível. Aos 22 anos já estava formada e lançando as bases de uma pós-graduação.

Conheceu aquele que viria a ser seu marido ainda na faculdade. Era 10 anos mais velho que ela, e estava na sua segunda faculdade. Além disso possuía estabilidade financeira e também fazia o tipo pacato, bem de acordo com os ideais de felicidade almejados por Natalie.

A vida pacata seguiu-se após o casamento. Um tornou-se o suporte do outro. Iam crescendo profissionalmente e aos poucos adquirindo os bens necessários para alimentar seus alter-egos: uma cobertura, carros do ano, casa de praia, etc.

Natalie nunca fez o tipo medíocre em relação aos estudos. Gostava de se aperfeiçoar. Por isso sempre estava envolvida em eventos ligados a sua área. Mas, uma viagem em especial, pareceu dar algo a Natalie a qual ela nunca havia se permitido: ousadia.

Era um congresso realizado em outra cidade e no qual Natalie seria uma das conferencistas. O evento duraria dois dias, começando as 8 e terminando as 18 h. Tudo dentro da sua normalidade.
Ela fazia parte da última mesa de conferência e ao final, surpreendeu-se com um congressista que fitava-lhe os olhos em um tom de admiração e desejo. Era um homem charmoso e sedutor. Uma espécie de Jude Law latino-americano. Aquele homem conseguira algo, digamos, um tanto surpreendente: deixá-la hipnotizada.

Natalie voltou ao hotel encantada e perguntando-se o que estava acontecendo consigo. Não podia pensar em coisas do tipo, afinal era uma mulher casada, e bem casada, diga-se de passagem. Como poderia agora se interessar estupidamente por alguém que ela nem sequer conhecia. Não sabia seu nome nem sua origem. Correu para tomar uma ducha e deitar-se na tentativa de esquecer aquele "inconveniente". O que de fato, foi impossível.

No outro dia, arrumou-se, tomou um rápido café e seguiu para o evento. Como estava atribulada por tantas coisas a fazer e pensar acabou "esquecendo-se" por algum tempo do acontecido da noite anterior.

Terminado o evento ele foi a sua procura. Declarou-se encantado com sua beleza e na sofisticação expressada na sua conferência. Neste instante olharam-se nos olhos. Aquele olhar fatal, transbordante de desejo. Um desejo logo reprimido por Natalie.

Ela saiu correndo em direção ao hotel buscando evitar a situação. Como no dia seguinte estaria a milhas de distância daquele lugar, confiava que tudo voltara ao normal e que, no máximo, alguns dias a fariam esquecer de tal situação. Ledo engano.

Após recolher-se eis que o inusitado se apresenta. Alguém bate à sua porta. Num súbito susto pensou se tratar daquele ser "inconveniente" que insistira em atormentar seus pensamentos. Logo voltou a si e considerou se tratar de algum funcionário do hotel a lhe fazer alguma solicitação ou algo semelhante.

Ao abrir, foi subitamente tomada por aquele indivíduo abusado, o qual não lhe deu nenhum direito a resposta. A noite foi tórrida, diferente de tudo o que havia vivido. O tal individuo estava hospedado no mesmo hotel e na noite anterior havia a seguido, sem que ela percebesse.

Ao voltar, Natalie foi corroída pelo sentimento de culpa. Mas nunca deixaria sua vida ser levada por uma aventura, um ato impensado. Sua palavra chave era estabilidade. E isso, ela não colocaria a perder. Bancou a dissimulada. Nada havia acontecido. E assim seguiria a sua vida. E do tal "indivíduo", nunca mais teve noticias. Mas de vez em quando pegava-se pensando no ocorrido e talvez, inconscientemente, lhe ocorresse a vontade de repetir a dose.


sábado, 15 de março de 2008

O reencontro

Claire estava no auge da adolescência quando se apaixonou perdidamente. Uma daquela paixões avassaladoras típicas deste período onde tudo é muito intenso.
Era uma garota extremamente alto astral daquelas para quem não existia tempo ruim. Sempre estava metida no meio dos adultos, pois estes adoravam a sua alegria de viver que colocava qualquer um para cima.
Mas tudo pareceu mudar quando conheceu aquele a quem ela pensava ser o seu príncipe encantado. De inicio parecia ser um homem encantador, mas com o tempo foi mostrando sua verdadeira face: um homem extremamente ciumento e controlador. Daquele tipo que controlava desde a roupa a agenda do celular.
Claire não suportava aquelas atitudes as quais nunca tinha tolerado em nenhum de seus relacionamentos anteriores, mas pela intensa paixão submetia-se aos caprichos do namorado. Com o tempo a Claire de antes já quase não existia. Saia pouco, já quase não se arrumava dedicando-se para o relacionamento quase que exclusivamente. Mal sabia que ali residia seu grande erro.

O trabalho dele envolvia viagens e portanto, as vezes passava o final de semana fora. Mas com o passar do tempo as viagens pareceram se tornar mais freqüentes do que o normal. Quando ligava para ele nunca estava em casa. Como não se dava com a familia dele não tinha nem como saber de algo e a situação não tardou a piorar.
Antes ele ia a ver quase todos os dias e quase não largavam ao telefone falando um com o outro. Passado o tempo sempre inventava uma desculpa para não a ver. E assim foi. Ia, as vezes sim, as vezes não até que chegou o momento em que ele não apareceu mais.

Claire entrou em depressão. Nada parecia lhe conferir sentido. Ficava imaginando o que havia feito de errado para que ele a abandonasse desse jeito, sem oferecer nenhuma explicação. Telefonava, mandou cartas e nada. Chegou até ao ponto de ir à casa dele mas não o encontrou. Passou vários meses em profunda melancolia e pensando que sua vida tinha acabado ali.

Com tempo foi recuperando a auto-estima, principalmente por ter conhecido outra pessoa que a ajudou a curar a ferida aberta, mesmo assim ela ainda nutria o sonho de que um dia ele aparecesse pedindo perdão e que recomeçassem novamente. O que de fato era mera ilusão. Nunca mais o viu.

Quase uma década se passou e num daqueles encontros casuais andando pela rua deparou-se com aquele sujeito o qual quase não reconheceu, mesmo sabendo que era ele, pois nunca esqueceria aquele rosto. Ele passou por ela e obviamente teve a mesma sensação. Pensou em cumprimentá-lo mas não teve coragem. Deixou passar. Toda a história lhe voltou à cabeça. Ficou entre a cruz e a espada. Sentiu o desejo de chamá-lo e mostrar o quanto havia amadurecido e que não era mais aquela adolescente boba, mas ao mesmo tempo jamais deixaria-se passar por situação análoga. Perdoar, talvez. O tempo sempre ajuda a esquecer. Mas de fato, esquecer, nunca esqueceu.
Perdoar torna-se até fácil, mas esquecer, jamais.

quarta-feira, 5 de março de 2008

Ser mulher é...

*Este post foi criado especialmente em comemoração ao Dia Internacional da Mulher no próximo dia 08/03.

Louise era uma mulher tipicamente atarefada. Assim como muitas outras, fazia milagre com as horas do dia para conseguir conciliar todos os seus afazeres. Casou-se cedo e logo foi agraciada com uma gravidez, a qual foi muito bem vinda. Entretanto, o nascimento do filho acabou por lhe obrigar a largar a faculdade por um certo tempo.
Quando se viu pronta a retomar os estudos deparou-se com a difícil missão de conciliar a faculdade e cuidar de uma criança. Tantas vezes saiu no meio da aula por conta de uma crise de cólica. Quantas vezes faltou às aulas ou trabalhos devido a uma garganta inflamada que insistia em acometer seu filho.

Apesar de todo o seu esforço, sentia-se frustrada por não ter o tempo necessário para dedicar-se aos estudos ou cuidar melhor do filho. Era uma coisa ou outra. E ela queria fazer bem os dois. Mas infelizmente não lhe foi possível e teve que fazer uma dura opção, pois lhe partia o coração ter que parar de estudar.
Loiuse virou uma perfeita dona-de-casa. Cuidava do filho e dos demais serviços domésticos. Quando chegava ao fim do dia estava exausta. A renda familiar não possibilitava a contratação de uma auxiliar, pois somente o marido trabalhava e todas as despesas da casa já eram demasiadamente pesadas.
Somente quando o filho cresceu um pouco mais e começou a freqüentar a escola foi que Louise conseguiu voltar à faculdade. Todo o seu tempo era cronometrado . A noite, preparava o almoço do dia seguinte. Acordava-se cedo para ter tempo de se arrumar juntamente com o filho, deixá-lo na escola e seguir para a faculdade. Saia sempre algum minutos antes da aula acabar para dar tempo de buscar o filho. Ao chegar em casa dava-lhe banho, almoço e colocava-o para descansar.

Como ainda não dispunha de tempo para trabalhar fora, começou a trabalhar com encomendas de doces e salgados na sua própria casa. Assim, Louise garantia uma renda e de quebra não deixava o filho sozinho. E assim seguia sua rotina: cuidar do filho, da casa, das encomendas, dos estudos, do marido, etc...
Passou-se o tempo e certo dia, como era de costume, Louise foi verificar se os deveres-de-casa do filho estavam em dia. Surpreendeu-se com uma solicitação da professora de redação a qual pedia: Escreva um pequeno texto com o tema: ser mulher é...
Louise percebeu que o filho ainda não havia realizado a tarefa a qual era para ser entregue no dia seguinte. O que indicava que provavelmente ele não faria a atividade ou escreveria qualquer coisa no papel para entregar à professora.
Naquele instante, Louise pôs-se a pensar sobre a questão e, de repente, pegou a caneta e começou a escrever no caderno:

- Mulheres são negras, brancas, orientais.
- Mulheres são ricas, pobres, de classe média.
- Mulheres são mães, amigas, amantes.
- Mulheres são doutoras, são analfabetas, são madames.
- Mulheres são grandes líderes, patroas, empregadas.
- Mulheres são amáveis, humildes e generosas.
- Mulheres são suaves, fracas, fortes.
- Mulheres são carentes, caretas, libertárias.
- Mulheres são eficientes, glamurosas e independentes.
- Mulheres são ciumentas, geniosas, histéricas.
- Mulheres são "vítimas", são "vilãs".
Para todos os adjetivos existe uma mulher, mas principalmente, toda mulher é, por natureza, uma GRANDE GUERREIRA.

Todo esse turbilhão de idéias acabou por fazer com que Louise lembrasse do quanto era especial e essencial para todos que a rodeavam, mesmo que estivesse longe de ser perfeita. Uma pena que raramente os outros lembrassem disso.

 

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