segunda-feira, 6 de julho de 2009

Os presentes de Alice*

Alice. Mulherão essa Alice. E vivia querendo coisas:

- Compra um apartamento pra mim, bem?
Eu comprava. Porque ela, sorrindo, isso não tinha preço.
Alice era dada a excentricidades. Poucas, mas ainda assim:
- Compra a lua pra mim, bem?
Eu comprava. E colocava um punhado de estrelas no papel de presente.
Vez ou outra ela emburrava. Não de ficar burra, que ela nunca foi assim, mas emburrar de entristecer, vocês me entendem? Eu fazia caretas, alugava elefantes, tudo pra ela melhorar. Mas ela só melhorava daquele jeito:
- Compra o charme da Gisele Bündechen pra mim?
Eu comprava. Um exagero, concordo, Alice era charmosa o suficiente, mas fazer o quê?

Alice também era uma mulher de muito bom gosto. Sabia apreciar as coisas boas da vida, as belas coisas.
- Compra um Picasso, um Van Gogh e um Warhol pra mim, bem?
Eclética como vocês puderam perceber. E eu, é claro, comprava.

Um dia Alice foi ao cinema e viu uma sereia no filme. Voltou da sessão radiante. E pediu:
- Eu quero uma sereia, bem!
Parti no dia seguinte numa expedição em busca da tal sereia. Fui encontrá-la 30 dias depois no mar gelado da Finlândia.
Quando entreguei o presente a Alice, ela desatou a chorar. Eu perguntei:
- Não é a sereia que você quer?
- É a sereia que eu queria - ela disse. - Mas agora eu não quero mais.
- O que você quer agora?
Alice enxugou as lágrimas e um sorriso brotou no seu rostinho lindo:
- Agora eu quero uma caravela, bem! Uma caravelhinha!
Uma caravelhinha. Como as caravelas deixaram de ser fabricadas há muito tempo, mandei fazer. Ficou uma beleza. Mas Alice só desembrulhou o presente. Havia um brilho estranho em seus olhos.
- E agora, o que você quer? - eu perguntei. - Pede.
- Eu não quero nada, bem. Não quero nada.

Mas a quietude demorou pouco. Logo Alice estava pedindo de novo. E eu, pronto a atender. Quer dizer, mais ou menos.
- Bem, diz que me ama!
Esquisitice. Bem típico de uma mulher como ela. Não que o seu pedido fosse caro demais, longe disso. Não iria me custar um tostão. Mas eu senti que precisava manter a integridade:
- Mas Alice, eu já disse que não sou mitômano!
- Mitômano?
- É.
Ela me olhou com aquele olhar inteligente que só ela tem. E pediu:
- Me compra um dicionário, bem?

Depois disso Alice passou quatro anos deprimida, largadona, engordando no sofá francês do século XIX. Sem pedir nada.
Até que, numa bela manhã de carnaval, ela se levantou, emagreceu e pediu:
- Bem, eu quero amor!
Eu caminhei em direção a ela, dei-lhe um beijo demorado na testa e saí para a rua. Não voltei nunca mais. Seria muito doloroso explicar que tem coisas que o dinheiro não compra.



*Excepcionalmente estou publicando um texto que não é de minha autoria. Esta não é a proposta deste espaço. Mas o texto é tão audacioso que não pude resistir. O texto é de autoria de Cláudio Parreira.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

O desafio

Mel sempre fora alguém muito adepta da filosofia do laissez faire, laissez passer. Nunca fora de muito esforço, de muitas preocupações. Era uma pessoa também muito ligada às tradições familiares. Por isso no final de ano era sempre a mesma coisa: ir à missa, troca de presentes, simpatias que iam do pular três ondas até o comer três uvas e guardar as três sementes na carteira como forma de garantir a prosperidade no ano que dava seus primeiros raios.
Porém, mal o ano estabelecia suas raízes tudo voltara a mais fatigante normalidade: a rotina do trabalho, as mesmas pessoas importunas de sempre, as mesmas reclamações, etc, etc, etc...E quando se via: lá se ia mais um ano, arrastando-se, e novamente, seguindo o mesmo ritual, o depósito de esperanças no ano posterior.
No entanto, no findar de mais um ano, Mel fora levada a fazer o seu tradicional balanço do ano que se despedia. O que tinha sido proveitoso e o que faltara melhorar. Porém, desta vez algo lhe fez atentar, refletir sobre os rumos que a sua vida tinha levado no decorrer daqueles anos. Embasbacada pensou:

- Puta que pariu, o que fiz da minha vida ao longo destes anos? E a resposta veio instantaneamente:

-Porra nenhuma. Deixei a vida passar como alguém que aprecia a paisagem da janela de um trem ao fazer uma longa viagem. Como uma mera espectadora, sempre passiva diante de tudo.

Naquele instante, o mundo veio à sua cabeça. Recordações da infância, dos bons momentos da juventude e de todos os bons momentos que passara ao lado da familia e dos amigos. Dos marcos de sua vida como o dia em que passou no vestibular, da emoção de pegar seu diploma no dia da formatura, entre tantas e tantas outras lembranças.
Mel estava batendo à porta dos 30 e ainda nem tinha um teto todo seu. Tinha um emprego medíocre na empresa do pai, o que lhe possibilitava gastar com suas miudezas sem maiores apertos. Possuía o mesmo grupo de amigos da época da faculdade e com estes era que desfrutava os seus momentos de lazer.
O sentimento de frustração lhe abatera naquele momento. Havia concluído, mal e porcamente, uma graduação em Administração de Empresas. E só. Quando adolescente, uma de suas maiores pretensões era chegar aos 30 como uma mulher bem sucedida profissionalmente.

Bastava. Estava disposta a mudar e resolvera fazer do novo ano um ano diferente, porque ela o faria diferente. Retomou seu curso de inglês, abandonado desde a adolescência; Buscou nos sites das mais variadas instituições os programas de pós-graduação, inclusive no exterior.
Passara o ano inteiro estudando. Reduziu as baladas. Diminuiu sua carga horária no trabalho e foi em frente. Ali estava plantando as sementes daquilo que esperara colher os frutos nos anos posteriores.
No final do ano, ingressou em um MBA em uma universidade no exterior. Passou dois anos fora. Voltou renovada, cheia de expectativas, de novas idéias.
Mel sabia que não iria parar por aí, que não era o fim. Era apenas a base para novos desafios. Mel certamente aprendera que a vida por si só não tem sentido. Somos nós que a colorimos com as vibrantes ou opacas cores que são as nossas escolhas e ações.
 

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